Espiritismo
O espiritismo é um conjunto de doutrinas espiritualistas que acreditam na possibilidade de comunicação com os mortos através de médiuns. O termo também se refere ao culto religioso que pratica esta doutrina.
O termo pode se referir a:
- Doutrina espírita: o espiritismo como codificado pelo francês Allan Kardec;
- Espiritualismo: uma doutrina filosófica que admite a existência de Deus, de forças universais e da Alma, com a visão de que existem milhares de coisas abstratas.
Usos do termo
O espiritismo codificado por Allan Kardec, conhecido também como Doutrina Espírita ou Kardecismo é a tradição espírita que tem origem nos trabalhos do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec.
O termo "kardecista" é repudiado por parte dos adeptos da doutrina que reservam a palavra "espiritismo" apenas para a doutrina tal qual codificada por Kardec, afirmando não haver diferentes vertentes dentro do espiritismo, e denominam correntes diversas de "espiritualistas". Estes adeptos entendem que o espiritismo, como corpo doutrinário, é um só, o que tornaria redundante o uso do termo "espiritismo kardecista". Assim, ao seguirem os ensinamentos codificados por Allan Kardec nas obras básicas (ainda que com uma tolerância maior ou menor a conceitos que não são estritamente doutrinários, como a apometria), denominam-se simplesmente "espíritas", sem o complemento "kardecista".A própria obra desaprova o emprego de outras expressões como "kardecista", definindo que os ensinamentos codificados, em sua essência, não se ligam à figura única de um homem, como ocorre com o cristianismo ou o budismo, mas a uma coletividade de espíritos que se manifestaram através de diversos médiuns naquele momento histórico, e que se esperava continuassem a comunicar, fazendo com que aquele próprio corpo doutrinário se mantivesse em constante processo evolutivo, o que não se teria verificado, ja que as obras básicas teriam permanecido inalteradas desde então.Outra parcela dos adeptos, no entanto, considera o uso do termo "kardecismo" apropriado. O uso deste termo é corroborado por fontes lexicográficas como o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa e o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.
José Lacerda de Azevedo, médico espírita brasileiro, compreendia o kardecismo como uma "prática ou tentativa de vivência da Doutrina Espírita" criado por brasileiros "permeada de religiosidade, com tendência a se transformar em crença ou seita".
As expressões nasceram da necessidade de alguns em distinguir o "espiritismo" (como originalmente definido por Kardec) dos cultos afro-brasileiros, como a Umbanda. Estes últimos, discriminados e perseguidos em vários momentos da história recente do Brasil, passaram a se auto-intitular espíritas (em determinado momento com o apoio da Federação Espírita Brasileira), num anseio por legitimar e consolidar este movimento religioso, devido à proximidade existente entre certos conceitos e práticas destas doutrinas. Seguidores mais ortodoxos de Kardec, entretanto, não gostaram de ver a sua prática associada aos cultos afro-brasileiros, surgindo assim o termo "espírita kardecista" para distingui-los dos que passaram a ser denominados como "espíritas umbandistas".
Historicamente, na França e no Brasil, existiram e ainda há conflitos entre "kardecistas" e "roustainguistas", consoante a admissão ou não dos postulados da obra "Os Quatro Evangelhos", coordenada por Jean-Baptiste Roustaing, nomeadamente acerca da natureza do corpo de Jesus. Para os chamados "roustainguistas" Jesus teve um "corpo fluídico", de origem material diferente da nossa matéria, já o os ditos "kardecistas" acreditam que Jesus possuia um corpo de origem material, como de qualquer ser humano.
Cultos afro-brasileiros
No Brasil, o termo "espiritismo" é historicamente utilizado como designação por algumas casas e associações das religiões afro-brasileiras, e seus membros e frequentadores definem-se como "espíritas". Como exemplo, citam-se a antiga Federação Espírita de Umbanda e as atuais Congregação Espírita Umbandista do Brasil, no estado do Rio de Janeiro, e a Federação Espírita Brasileira, no estado do Espírito Santo.
No Brasil Império a Constituição de 1824 estabelecia expressamente que a religião oficial do Estado era o Catolicismo.No último quartel do século XIX, com a difusão das idéias e práticas espíritas no país, registraram-se choques não apenas na imprensa, mas também a nível jurídico-policial, nomeadamente em 1881, quando uma comissão de personalidades ligadas à Federação Espírita Brasileira reuniu-se com o Chefe de Polícia da Corte e, subsequentemente, com o próprio Imperador D. Pedro II, e após a Proclamação da República Brasileira, agora em função do Código Penal de 1890, quando Bezerra de Menezes oficiou ao então presidente da República, marechal Deodoro da Fonseca, em defesa dos direitos e da liberdade dos espíritas.Outros momentos de tensão registrar-se-iam durante o Estado Novo nomeadamente em 1937 e em 1941, o que levou a que a prática dos cultos afro-brasileiros conhecesse uma espécie de sincretismo sob a designação "espiritismo", como em época colonial o fizera com o Catolicismo.
A própria Federação Espírita Brasileira chegou a admitir que os umbandistas eram espíritas, ao declarar:
- "Baseados em Kardec, é-nos lícito dizer: todo aquele que crê nas manifestações dos espíritos é espírita; ora, o umbandista nelas crê, logo, o umbandista é espírita."
Na prática, sinteticamente, as semelhanças entre a prática Umbanda e a Doutrina Espírita são: a comunicação entre os vivos e os mortos, admitindo ambas, por conseguinte, a sobrevivência à morte do chamado "espírito"; a evolução do espírito através de vidas sucessivas (reencarnação); o resgate, podendo ser pela dor e sofrimento, das faltas cometidas em anteriores existências; a prática da caridade.
Por outro lado, as principais diferenças são a admissão pela Umbanda: de cerimônias litúrgicas como o batizado e o matrimônio; a presença de imagens em seus cultos; o emprego de plantas em seus cultos; a música dos pontos cantados para as entidades.
De todas as religiões afro-brasileiras, a mais próxima da Doutrina Espírita é um segmento (linha) da Umbanda denominado de "Umbanda branca", que guarda pouca ligação com o Candomblé, o Xambá, o Xangô do Recife, o Tambor de Mina ou o Batuque.
No tocante específicamente ao Candomblé, crê-se na sobrevivência da alma após a morte física (os Eguns), e na existência de espíritos ancestrais que, caso divinizados (os Orixás, cultuados coletivamente), não se materializam; caso não divinizados (os Egungun), materializam em vestes próprias para estarem em contacto com os seus descendentes (os vivos), cantando, falando, dando conselhos e auxilindo espiritualmente a sua comunidade. Observe-se que o conceito de "materialização" no Candomblé, é diferente do de "incorporação" na Umbanda ou na Doutrina Espírita. Em princípio os Orixás só se apresentam nas festas e obrigações para dançar e serem homenageados. Não dão consulta ao público assistente, mas podem eventualmente falar com membros da família ou da casa para deixar algum recado para o filho. O normal é os Orixás se expressarem através do jogo de Ifá (oráculo).
No Candomblé, a função dos rituais durante as cerimónias de iniciação é a de afastar todo e qualquer espírito ou influência, recorrendo-se ao Ifá para monitorar a sua presença. A cerimónia só ocorre quando este confirma a ausência de Eguns no ambiente de recolhimento. Os espíritos são cultuados, nas casas de Candomblé, em uma casa em separado, sendo homenageados diariamente uma vez que, como Exú, são considerados protetores da comunidade.