“A religião tem acompanhado o ser humano desde os seus primórdios, servindo como uma ponte de compreensão para diversos factos supostamente incompreensiveís. Muita tinta já corre devido a ela e crentes e descrentes debatem-se entre o acreditar e o não acreditar, o respeitar e o não respeitar. No entanto a religião não cumpre apenas um papel de oferecer conforto espiritual para aqueles que dela necessitam, dentro da estrutura social a religião assume um papel completamente diferente daquele que se mostra perante o ser humano pelo que é preciso distinguir a religião como instituição social tal como a economia, a politíca ou o parentesco, fazendo parte de toda a estrutura social geral e sendo algo primordial, e as crenças religiosas que são partes integrantes da sociedade e tambem alvo da escolha de cada um.
A religião, no primeiro sentido referido, reveste-se de várias formas, as quais aqui são denominadas de crenças religiosas, desde o animismo, passando pelo totemismo até ao panteísmo por exemplo, três de entre as várias máscaras que pode assumir, mas o seu papel primordial é o de manuntenção da coesão social, ao reunir em torno de si vários indivíduos é algo capaz de criar um sentimento de união, mas acima de tudo, pelo seu carácter ser considerado divino e superior ao ser humano, é capaz de impôr regras, no entanto essas não passam de maneiras de manter a estrutura social saudável face às constantes mudanças que sofre, pois não é de todo estática. Imagine-se um grupo onde o incesto é proibido por uma qualquer crença religiososa, essa proibição pode ser vista como uma ordem de um “deus” quando na realidade é um mecanismo eficaz de evitar a mistura genética e de manter imperativos biológicos e ainda de formar alianças com outros grupos estrangeiros garantindo, por exemplo, protecção, no entanto esta função oculta, é extremamente importante pois pode ao garantir a sua sobrevivência, não se revela imediatamente aos constituintes desse grupo.
Muitas vezes a religião parece fundir-se com as próprias estruturas políticas e sociais de um grupo ou nação estabelecendo as suas regras, é o caso da Índia onde a organização social, o sistema de castas, é regido pelas leis do hinduísmo, sendo este que dá as bases para o funcionamento da organização social e, em última instância, da organização política que depende da primeira.
A religião neste prisma é de extrema importância, ainda que os seus predicados possam ser injustos, para o mundo Ocidental o tratamento das mulheres pelo islão é repreensível mas é uma das bases da sua organização social, é a diferença entre a ordem e o caos, entre uma estrutura social saudável ou uma outra perene.
As crenças religiosas são as máscaras que a instituição religião pode assumir, sendo essas máscaras inúmeras, não se limitando apenas ao cristianismo ou islamismo por exemplo, a crença religiosa pode ser um qualquer tipo de totemismo ou animismo, entre muitas outras formas possíveis de se observar. A manipulação que se faz da religião ocorre a este nível, ou seja, são as crenças religiosas que são manipuladas e não a instituição religião, esta é algo que funciona ao nível da estrutura social ajudando na sua regulação, no entanto, para que possa alcançar todos os membros dessa estrutura tem de assumir uma forma determinada e alcançável por esses mesmos membros, tornando-se assim uma instituição mundana, no sentido de terrena, porque actua ao nível dos indivíduos, que transmite preceitos divinos, pois a sua mensagem é uma mensagem “divina”.
Sem estas máscaras a religião seria, aos olhos de todos, vazia e desprovida de sentido, ainda que não o seja, assim como o seria a política se não existissem as instituições políticas para lhe dar uma forma palpável. Mas para que este processo de temporalização da religião ocorra, os símbolos da qual se reveste, ao assumir a forma de uma crença religiosa, têm de ser manipulados mas também capazes de manipular, como tal, o público alvo das crenças religiosas têm de ser formatados dentro dos seus preceitos para que se reúnam à sua volta, quantos mais crentes uma crença obtém mais poder alcança e com ele pode garantir mais crentes até à formação de uma comunidade que partilha pelo menos este elemento que, pela dimensão que pode alcançar e influência que pode exercer, é extremamente poderoso. A manipulação não ocorre só no sentido crença-crentes, ocorre também no sentido poder-crença, ou seja, para além dos líderes religiosos, que podem influenciar os seus crentes manipulando os símbolos à sua disposição, aqueles que detém o poder, neste caso o poder político, podem influenciar esses símbolos e utilizá-los para chegar a esses mesmos crentes, pelo que as crenças religiosas assumem um papel fundamental na legitimação do poder político, mesmo em estados seculares como aconteceu na Rússia nos últimos anos da URSS e nos primeiros anos após a sua queda, tanto Gorbachev como Hieltsin aproximaram-se do líder da igreja ortodoxa para alcançar a população e legitimar as suas políticas apelando a um denominador comum capaz de unir a sua população. O ponto importante que se deve salientar é então o facto de as crenças religiosas assumirem o papel de “advogado do diabo”, o facto de ser passíveis de manipulação pode torná-las instrumentos da necessidade de um indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos que a usam em seu proveito pessoal, os seus líderes manipulam os seus preceitos mas os seus preceitos também podem manipular os crentes, como tal esses preceitos já manipulados e adulterados podem-se tornar perniciosos. Assim é o livre arbitrío que impede que o ser humano possa ser manipulado, esse mesmo livre arbitrío, que concede liberdade, foi muitas vezes combatido por muitas crenças religiosas ao longo da história.
A Religião está a par da Política, da Justiça e da Economia, por exemplo, forma parte da macroestrutura social, estando acima do indivíduo, não pode ser manipulada por este porque ele é apenas um actor dentro dessa macroestrutura a desepenhar o seu papel, mas também não o pode manipular pois é uma entidade abstracta que não pode assim alcançar o indivíduo. Como tal tem de se revestir de máscaras e é ao nível delas que a manipulação actua, tal como a Política, é abstracta e vazia mas há necessidade da sua existência, precisa de assumir forma, as crenças religiosas, para que alcançe o seu potencial e deixe de ser algo abstracto para ser algo pálpavel. Neste nível estamos numa microestrutura dentro da anterior referida, é aqui que pode manipular mas também é aqui que pode ser manipulada, o ser humano apenas pode manipular conceitos que não lhe sejam abstractos, é preciso que a religião tenha algum sentido para que este possa ser utilizado, é o mesmo com as instituições políticas, são estas, e não a Política, que são utilizadas para benefício dos indivíduos, isto acontece porque dentro da microestrutura o indivíduo já não é apenas um actor inserido numa estrutura que lhe é independente, faz antes parte integrante de um todo social, é ao nível da microestrutura que se dá a mudança social e é ao nível desta que o indivíduo é manipulado e manipula.”